Fazenda planeja transformar BC e CVM em super-reguladores do mercado – 17/07/2024.

17 de julho de 2024

O Ministério da Fazenda estuda uma proposta para introduzir no Brasil o chamado modelo “twin peaks”, levando o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a virarem “superórgãos” reguladores que ficariam responsáveis pelo monitoramento, pela regulação e pela supervisão do mercado financeiro, dos mercados de capitais, de seguros e até de previdência.

Esse modelo não mudaria em nada a autonomia operacional do BC, já estabelecida em lei. Segundo apurou o Valor, a proposta já era estudada desde o início da gestão do ministro Fernando Haddad na Fazenda, que trabalhava para colocá-la em prática somente a partir do terceiro ano de mandato do presidente Lula, mas agora ganhou corpo em meio às discussões da proposta de emenda à Constituição (PEC) que tenta garantir autonomia financeira ao Banco Central. A ideia já foi compartilhada com alguns senadores.

A Fazenda se espelha no modelo do Reino Unido, onde um órgão é responsável pelas atividades de regulação e supervisão prudencial do mercado financeiro, de capitais e de seguros, enquanto outro cuida da supervisão de condutas e da proteção dos consumidores nesses mercados.

Atualmente, no modelo brasileiro, BC, CVM e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) atuam em ambas as frentes, o que na visão da Fazenda e de especialistas cria sobreposições de funções e impede uma atuação mais firme dos órgãos na supervisão sistêmica e no monitoramento de condutas irregulares.

Como a implementação do modelo é complexa, a Fazenda estuda uma proposta gradual, principalmente para não haver impacto nas instituições e nas suas consequentes funcionalidades. Em um primeiro momento, a ideia é incorporar a Susep ao Banco Central, pois há uma visão de que a instituição, hoje, é um órgão fragilizado e, na estrutura do BC, ganharia tração.

Em um segundo momento, a CVM seria fortalecida para, então, ganhar atribuições que hoje são do BC, bem como a autoridade monetária ganharia atribuições que hoje são de competência da CVM. Esse é o modelo ideal, segundo técnicos da pasta.

Dessa forma, ficariam concentradas no BC as atividades de regulação e supervisão prudencial do mercado financeiro e de capitais, bem como o comando sobre a política monetária. A CVM, por sua vez, seria responsável pela regulação e supervisão de condutas dos dois mercados, incluindo o bancário.

A pasta também estuda incluir nesse modelo a divisão de atribuições da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), o que levaria a uma redução de quatro para somente dois reguladores nesses mercados.

Assim como a autonomia operacional do BC introduzida em 2021, a proposta também seria implementada por meio de lei complementar. O modelo prevê que o BC passaria a dispor de autonomia financeira, mas não nos moldes da PEC hoje em tramitação no Senado, já que a equipe econômica é contrária à ideia de o órgão se tornar uma empresa pública.

A CVM também poderia ganhar autonomia financeira. Hoje, a entidade arrecada cerca de R$ 1 bilhão por ano somente com a cobrança de taxas dos regulados, mas seu orçamento discricionário está limitado a R$ 30 milhões.

No Reino Unido, inspiração para o modelo estudado no Brasil, há o PRA (Prudential Regulation Authority) e FCA (Financial Conduct Authority). Lá, também houve uma implementação de forma paulatina, já que o modelo anterior contava somente com um regulador único, o FSA (Financial Services Authority).

A princípio, ficou acertado entre governo e Senado que as propostas do “twin peaks” e a PEC da autonomia seriam complementares. Ou seja, a proposta de emenda constitucional continuaria a tramitar. Alas do governo não seriam contrárias à ideia de mudar a natureza jurídica do BC, desde que ela não seja de “empresa pública”.

A ideia é dar ao BC um regime jurídico no qual os funcionários deixariam de ser servidores públicos tradicionais, podendo assim ter remunerações como as observadas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esse formato de organização do BC está sendo chamado pelos defensores da proposta como “Corporação Financeira” e segue parâmetros similares aos do Federal Reserve (FED) dos Estados Unidos e do Banco Central Europeu. Não há consenso na categoria a respeito dessa proposta.

Em meio às articulações, a votação da PEC do BC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado segue indefinida. O presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União-AP), deixou claro que só vai liberar efetivamente o tema para deliberação se houver acordo.

Procurados, BC e CVM não comentaram. “A Susep é a favor de discutir qualquer proposta que melhore a qualidade da regulação financeira no Brasil. E destaco que a atual gestão da Fazenda fez grandes esforços para melhoria da Susep, que vai se materializar no novo concurso”, afirmou ao Valor o presidente da Susep, Alessandro Octaviani.

Na avaliação de Otavio Yazbek, ex-diretor da CVM e há anos defensor da implementação do modelo “twin peaks” no Brasil, como os mercados bancário, de capitais, de seguros e de previdência se sobrepõem, a principal vantagem de concentrar as funções em apenas dois órgãos é corrigir as ineficiências na supervisão e na repressão às condutas. “Hoje, além de haver zonas cinzentas de atuação, há espaço para haver regulações contraditórias”, afirmou.

“Em um modelo ‘twin peaks’, é possível administrar de maneira mais eficiente as sobreposições de atuação e os espaços em branco que existem nas atividades de regulação financeira, bem como lidar melhor com os processos de inovação no mercado financeiro e de capitais”, disse.

Por outro lado, também avaliou que, como a mudança é complexa e envolve uma repactuação de competências dos órgãos reguladores atuais, o único jeito de implementá-la é com gradualismo.

Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM, também elogiou o modelo ao dizer que, caso a proposta avance dessa maneira, seria um “grande avanço” para os mercados regulados no Brasil. “É um modelo que evoluiu muito no mundo, e enfrenta crises que decorrem da falta de foco dos reguladores no sistema atual. Essa falta de foco seria eliminada ou reduzida para um modelo twin peaks”, afirmou.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 17/07/2024

Compartilhe nas redes sociais