Em meio a um mundo cada vez mais geopoliticamente incerto, a siderurgia brasileira tenta encontrar saídas para se manter como uma gigante global. A palavra da vez é “policrise” e tem tantas frentes que transformou o mundo e o comércio mundial como o conhecíamos. Os Estados Unidos deflagraram uma guerra comercial com o mundo, a Europa enfrenta a guerra entre Rússia e Ucrânia, a China acaba de dar demonstrações de seu poderio militar e a América do Sul, historicamente apenas palco de golpes de Estado, vê os americanos estacionarem tropas e navios ao longo da costa da Venezuela.
A situação mundial foi um dos temas mais discutidos no Congresso Aço Brasil deste ano, que aconteceu em agosto, em São Paulo.
“O mundo ingressa numa fase de incerteza”, resumiu Armando Monteiro, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, na abertura do encontro. “Toda aquela arquitetura do pós-guerra, que forjou instituições e definiu regras que, de alguma maneira, permitiram que o comércio internacional experimentasse um grande crescimento em décadas, está sendo, neste momento, desmontada”, continuou. “E há uma prevalência da geopolítica naquilo que às vezes aflora de pior, que é a prevalência de certas idiossincrasias – tudo isso em prejuízo do comércio.”
O resultado do tarifaço de Trump já é visível na siderurgia. Em agosto, quando as sobretaxas começaram a valer, as exportações brasileiras de semiacabados de ferro e aço para os EUA caíram 23,4%. No sentido contrário, o setor calcula que o volume de importações de aço laminado deve atingir o triplo da média histórica em 2025, com previsão de 6,3 milhões de toneladas, em função do produto barato vindo do Oriente.
“O maior desafio do nosso setor é a defesa comercial – e aí a China é o grande ponto. Praticamente 70% das importações que chegam ao Brasil vêm da China. É uma competição desleal”, disse André Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração da Gerdau, em entrevista ao Valor, durante o congresso. “Com essa guerra comercial existe desvio de comércio. Os Estados Unidos estão aplicando taxas muito altas e esse aço vai procurar outros mercados. Um dos principais é o Brasil”, explicou.
O panorama geral é de menos regra e mais fricção. A conciliação que por décadas alinhou normas gerais e acordos regionais dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu fôlego e abriu espaço para um “processo de erosão muito acelerado”, afirmou Maurício Lyrio, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty e sherpa do Brasil no Brics.
“O maior desafio do nosso setor é a defesa comercial”
— André Gerdau Johannpeter
Ele disse ainda nunca ter visto um período tão crítico para o comércio internacional. “Há um primeiro sintoma disso na OMC: o começo de erosão do sistema de solução de controvérsias em duas instâncias, pela não indicação [pelos EUA] de juízes ao Órgão de Apelação desde 2016, culminando em 2019 com a sua paralisação.”
Lyrio lembrou que, do pós-guerra aos anos 2010, o comércio avançou mais rápido que o PIB, mas perdeu fôlego nas últimas décadas diante de iniciativas protecionistas. O ponto mais preocupante, para ele, é a erosão das normas: a lógica de que a nação mais favorecida cede concessões para um parceiro específico, como nos acordos recentes dos EUA com países do Sudeste Asiático.
A estratégia do governo Lula, segundo o secretário, combina defesa do multilateralismo com uma ofensiva negociadora via Mercosul, preservando espaço de política pública. “Há orientação clara para retomar, com maior velocidade, os acordos. Em 2023 fechamos [acordo com] Cingapura. Em 2024, concluímos as negociações com a União Europeia. Avançamos com a Efta [Associação Europeia de Comércio Livre, na sigla em inglês]. Estamos retomando negociações com Canadá, Japão e, provavelmente, Reino Unido”, disse.
A escalada tarifária já pressiona custos e, ao mesmo tempo, abre margem para recuos pontuais. Para Christopher Garman, diretor para as Américas da Eurasia Group, o nível tarifário que os EUA impõem sobre produtos importados chegou ao pico e há uma fresta tática no curto prazo, com a possibilidade de ajustes em setores sensíveis. “Podemos ver os EUA cedendo em algumas exceções nos próximos 6 a 12 meses”, avaliou.
Para o Brasil, Garman recomenda execução disciplinada e presença onde as decisões são tomadas, com casos técnicos bem instruídos e diversificação de mercados enquanto se negociam exceções no eixo americano. “Investir em presença lá fora vira essencial para o setor privado brasileiro”, disse.
Marcos Troyjo ampliou o quadro ao descrever o fim da lógica centro-periferia e a convivência de vários polos de decisão. “Desde o final da Segunda Guerra Mundial, você não tem tanta multipolaridade no mundo econômico. Não é como se você tivesse centro e periferia – você tem vários centros. Tem um arquipélago de epicentros”, afirmou. Para ele, esse rearranjo pode jogar a favor do Brasil ao permitir que novos mercados sejam abertos. “Foi só o presidente Trump ganhar as eleições do ano passado que, rapidamente, os europeus tiraram o acordo [com o Mercosul] da gaveta e falaram: ‘Isso é o que a gente tem para hoje, vamos embora’.”
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 12/09/2025