Impacto da inflação vai da indústria ao varejo – 02/03/2022

2 de março de 2022

Antes que a guerra no Leste Europeu atraísse todas as atenções na quinta-feira, os efeitos da inflação nos balanços já vinham sendo a tônica das conversas de executivos e analistas nas divulgações dos resultados do ano passado. A temporada começou no início de fevereiro com o balanço da Indústrias Romi e ganhou força nas últimas semanas.

Os números do quarto trimestre que começaram a vir a público deixaram evidente que o aumento da pressão dos custos, como resultado da inflação global puxada pela alta das commodities e problemas nas cadeias logísticas, foi fenômeno que se espalhou por diversos setores da economia.

A estrategista de ações da XP, Jennie Li, ressalta o efeito do custo da matéria-prima para empresas como a fabricante de motores elétricos WEG e de energia elétrica em algumas indústrias, como a Klabin. Na teleconferência de resultados, a fabricante de papelão ondulado citou também os aumentos de combustíveis, químicos e madeira, compensados pelo repasse de preços.

A siderurgia, assim como papel e celulose, teve um ano de ganhos históricos em 2021, mas também não escapou da escalada de custos. A Usiminas, diz Jennie, sentiu a forte valorização do carvão. Em outubro, o preço do insumo usado na fabricação do aço atingiu níveis recordes, acima de US$ 218 a tonelada, empurrado, à época, por enchentes no norte da China.

Outro efeito notado nos balanços foram os reflexos da alta da inflação nos resultados das varejistas, em meio à redução do poder de compra dos consumidores e à dificuldade das empresas em repassar os custos. “A Alpargatas teve resultados negativos, com a pressão vindo da borracha e do petróleo. Só que eles demoraram a repassar para o consumidor”, diz Jennie. A dona da marca Havaianas informa nas demonstrações financeiras que o preço da matéria-prima subiu 42% em relação ao quarto trimestre de 2020.

Para Li, isso fica mais evidente no varejo voltado para a população de renda mais baixa, mais castigada pela inflação. Ela cita a C&A Modas e o grupo Soma, dono da Hering, que vão pagar mais caro pelo algodão, o que bate no resultado final, se não houver como repassar ao consumidor.

“Já o varejo discricionário, como Arezzo e Vivara, deve ter mais facilidade de repasse para o seu consumidor de alta renda”, diz. As quatro varejistas divulgam os resultados em meados do mês.

Quanto mais competitivo o setor, mais difícil é repassar o preço para a ponta final. O chefe da área de análise e pesquisa do BTG Pactual para América Latina, Carlos Eduardo Sequeira, destaca as telecomunicações que, geralmente, têm forte impacto com a pressão inflacionária já que não conseguem repassar os custos ao consumidor de forma imediata. Para ele, a TIM poderia ter apresentado resultados melhores não fosse essa peculiaridade do setor.

Li, da XP, chama a atenção para os resultados de varejistas de alimentos que, com a forte base de comparação no quarto trimestre de 2020, apresentaram de estabilidade a queda nos números de outubro a dezembro do ano passado como reflexo da demanda mais fraca e da alta da inflação. “Os números do Assaí e do Carrefour, por exemplo, foram fracos”, afirma.

Uma exceção nesse cenário foi o segmento de software. “Empresas desse setor têm essa característica de receber a mensalidade de clientes com contratos ajustados pela inflação”, diz Sequeira. Ele cita como exemplo a Totvs, que, pela capacidade de repasse de custos, não teve impacto relevante nos números.

O analista do BTG lembra que, pelas prévias divulgadas nas últimas semanas, o setor de construção civil deve registrar números mais fracos em meio a alta de matéria-prima, desaceleração econômica e a alta da taxa de juros.

Para o trimestre atual, cujos resultados devem ser divulgados em abril e maio, Sequeira ressalta que a base de comparação entre o primeiro trimestre deste ano e o de 2021 será relevante, uma vez que os primeiros meses de 2022 devem trazer os reflexos da atual desaceleração econômica, enquanto no mesmo período do ano anterior a economia estava mais fechada diante as medidas de restrição para conter a covid-19.

Quem atua em segmentos voltados para consumidores de baixa renda vai receber o maior impacto. “Empresas como Arezzo e Multiplan sentirão menos esses efeitos, apesar de que, pela sazonalidade, terão resultados piores comparados a outubro e dezembro. Na outra ponta, muitas empresas devem ter ganhos com valorização do real nas últimas semanas”, diz Sequeira.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 02/03/2022

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