Indústria se une após conflitos sobre aço importado – 25/09/2025.

25 de setembro de 2025

A disputa em torno do aço importado entre siderúrgicas e indústrias consumidoras no Brasil ganhou novos contornos. Se antes fabricantes de automóveis e máquinas e equipamentos se posicionavam contra tarifas, interessados em insumos mais baratos, agora esses mesmos setores começam a rever o discurso.

O motivo: o país asiático deixou de exportar apenas insumos básicos e passou a avançar também com produtos de maior valor agregado, competindo diretamente com montadoras, fornecedores de máquinas e equipamentos, entre outras indústrias locais.

A renovação do sistema de cotas de importação de aço, prorrogada até 2026, dividiu o debate sobre a política comercial. De um lado, as siderúrgicas avaliam que as cotas são insuficientes para conter o avanço de importações a preços reduzidos, especialmente da China. De outro, os grandes consumidores de aço sabem que barreiras encarecem a indústria nacional.

Para Antônio Sérgio Martins Mello, diretor de relações institucionais da Stellantis e vice-presidente da Anfavea, entidade que representa as montadoras, o ponto central é a discussão da competitividade e a cadeia produtiva precisa estar unida. “Para que a gente venda o carro a preços competitivos, precisamos ter insumos competitivos. Nesta discussão, não estamos defendendo redução de tarifa de aço. Isso não está nos planos. É o momento de unir forças”, diz.

A declaração, feita durante o congresso Aço Brasil 2025, marca uma inflexão: o setor automotivo, que antes resistia a tarifas sobre o aço importado, hoje evita falar em redução de impostos e defende estabilidade na cadeia produtiva, reflexo da entrada massiva de carros chineses no mercado brasileiro.

Na indústria de máquinas, o dilema é ainda mais evidente. O aço representa cerca de 40% do custo de produção, segundo Claudio Brizon, diretor da CNH Industrial. O setor depende de insumos acessíveis para competir globalmente, mas, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a entrada de equipamentos prontos da China deve superar US$ 10 bilhões em 2025.

José Velloso, presidente da entidade, alerta. “Além disso, temos uma competição desleal com produtos chineses porque a China dá subsídios, financiamento barato, o Estado intervém no câmbio, fazem financiamento a fundo perdido para exportadores”.

A MRV, maior incorporadora do país, traz nuances adicionais. Para o CEO Eduardo Fischer, embora o sistema de cota-tarifa encareça os custos da construção civil, é preciso garantir a sobrevivência da indústria nacional para evitar uma dependência asiática e eventuais problemas futuros. “Temos de equilibrar a equação de como manter a indústria nacional competitiva sem destruí-la e sem que ela cobre além do que deveria”.

A construção civil, um dos maiores consumidores de aços longos, não sofre concorrência direta da China em seus mercados finais, mas teme instabilidade de fornecimento no longo prazo.

O reposicionamento desses setores não é isolado. A China tem excesso de capacidade estrutural na produção de itens ligados à siderurgia, máquinas, automóveis, eletroeletrônicos, energia, entre outros. Com barreiras cada vez mais duras dos Estados Unidos e União Europeia, exportadores redirecionam seu excedente para países mais abertos, como o Brasil.

Esse movimento já provocou um salto das importações: o país pode encerrar o ano com mais de 6,2 milhões de toneladas de aço importadas, o equivalente a 30% das vendas internas de laminados.

No setor automotivo, carros fabricados na China já representam 7,8% do mercado brasileiro, segundo dados de emplacamento de agosto. A BYD ultrapassou a Honda no ranking de marcas mais vendidas em 2025. No setor de máquinas e equipamentos, os importados respondem por quase metade do mercado.

O governo brasileiro tenta administrar interesses contraditórios. Renovou até maio de 2026 o sistema de cotas, aplicando tarifa de 25% sobre o aço importado acima do limite e ampliando de 19 para 23 os produtos abrangidos. Também abriu a maior investigação antidumping da história, cobrindo 25 itens vindos da China.

Mas há freios políticos: a China é o maior parceiro comercial do Brasil, comprando commodities agrícolas e minerais, além de ser aliada no grupo dos Brics. Endurecer contra Pequim poderia gerar retaliações. Ao mesmo tempo, os EUA, um dos principais destinos do aço brasileiro, mantêm tarifas elevadas, obrigando o país a equilibrar seus movimentos diplomáticos.

Para especialistas, o Brasil dispõe de instrumentos para proteger sua indústria sem se indispor diretamente com a China, mas a margem de manobra é estreita. A resposta passa por calibrar medidas defensivas com políticas industriais que mantenham a China como parceira, preservando a sustentabilidade da indústria local.

Para Márcio Sette Fortes, professor de Relações Internacionais do Ibmec RJ, a pressão chinesa é resultado da contração das exportações para os EUA. De um lado, a China elevou o valor agregado de seus produtos. De outro, redirecionou exportações para regiões mais abertas, como América Latina. “Pode-se citar os direitos antidumping e as medidas compensatórias para casos de competição desleal, e as medidas de salvaguarda, quando as importações de um bem aumentaram em volume, comparativamente à produção do similar nacional, a ponto de gerar prejuízo”.

Rodrigo Scolaro, economista da plataforma de inteligência GEP Brasil, lembra que a demanda interna de aço na China não está aquecida, o que leva a maior exportação. Havia perspectiva de corte na produção em um cenário deflacionário, somado ao aumento de barreiras alfandegárias, mas isso ainda não se confirmou.

 

 

Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 25/09/2025

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