O que será de Vale e siderúrgicas com o derretimento do minério de ferro? – 22/09/2021

22 de setembro de 2021

Faz alguns meses, o minério de ferro parecia garantir segurança a investidores de bolsa pouco afeitos a turbulências. O preço subia que só, enquanto as grandes economias viravam a página da maior crise em quase um século. Mas o jogo para ele virou – e virou legal.

O retrovisor, embora o passado não traga retorno, reluzia, atraente. Depois de um rali da ordem de 80% em 2020, a matéria-prima seguia superando recordes e expectativas, acumulando valorização até 12 de maio de 48% neste ano, à altura inédita de US$ 237 por tonelada nos portos chineses. Realização a partir desse patamar eram esperadas, mas nada demais. Assim como a desaceleração chinesa não prometia ser forte a ponto de superar a potência dos investimentos trilionários em infraestrutura americanos.

Agora sabemos não foi bem assim. Daquele pico ao vale de US$ 93, destes dias, os preços do minério já afundaram 60%, aos menores níveis em 15 meses. E com três gatilhos made in China principais:

No pano de fundo do derretimento, está um pé no freio pisado na economia chinesa com bem mais força do que se supunha. Em partes, intencionalmente. Depois de a China ser dos países mais resilientes sob gastos estatais, o presidente Xi Jinping colocou o escorpião no bolso. Fora isso, nem se cogitava que a China lidaria com apagões. Que coisa mais brasileira, né? Pois bem. Há relatos de algumas províncias com blackouts em horário de pico.

E tem mais. A mão pesada de Pequim não se limita a trocar abruptamente a chave do incentivo ao crescimento via construção civil, readotado na pandemia, ao via consumo, tática anterior à crise. Barra a produção de aço e, por conseguinte, a demanda local por minério, sob alegação de cumprir metas de redução de carbono emitido.

E, como todo bolo que se prese, veio a cereja. A empresa chinesa Evergrande, segunda maior incorporadora de imóveis da segunda maior economia do mundo, está na bancarrota. Prepara-se para dar chapéu em credores e tem deixado clientes a ver navios. O que, por sua vez, traz insegurança aos potenciais compradores de imóveis locais, deprimindo adicionalmente a demanda e os preços do minério.

Retomando o começo do texto, e começando a responder a pergunta do título, não mais o principal índice de ações do Brasil tem o colchão de segurança com que contava no começo do ano.

Quando a segunda onda da covid-19 varria o país, não foram poucos os pregões de desconexão total com a vida real. Quem garantia altas ao Ibovespa enquanto as ações ligadas ao ciclo doméstico apanhavam? Principalmente o time do minério. Composto pela mineradora Vale (VALE3) e pelas fabricantes de aço, que têm na matéria-prima o termômetro da demanda pelo aquecimento futuro de seus fornos.

Mas tudo que sobe cai. E como cai.

Quando o papel da Vale bateu a máxima histórica de R$ 117, em 28 de julho, acumulava ganho em 2021 de 43%. De lá para cá, no lastro do derretimento do minério, já mergulhou 28%, aos R$ 84. E o acumulado no ano foi reduzido a pouco mais de 2%.

Há mais coisas além da China a serem pontuadas.

Embora os fundamentos da Vale sejam intimamente ligados a demanda que vem de lá, seu papel sofre com o fluxo de cá. Com 13% de participação no Ibovespa, a empresa tem a maior fatia do índice. Ou seja, está entre as principais portas de acesso à bolsa. Em meio a alta de juros e queda nas perspectivas de crescimento, sofre pressão de baixa com a saída de investidores rumo à renda fixa. O que é potencializado pelos ganhos recentes que são um convite a mais para realização de lucros.

Apesar de tudo, Priscila Araujo, da Macro Capital, entende que o momento oferece boa oportunidade para se comprar ações da mineradora. “Apesar de o cenário para 2022 ser de crescimento mais fraco no mundo todo em relação a este ano, continuará existindo uma diferença importante entre demanda, forte, e oferta, fraca, de minério que manterá preços em níveis historicamente altos”, explica.

A profissional ressalta ainda que o mercado já esperava uma redução nos preços do minério de ferro, visto que o pico costuma ser alcançado em junho e a desaceleração logo em seguida, entre julho e agosto.

“A questão aqui é que esse arrefecimento foi potencializado por todos os problemas que a China está enfrentando, desde a incógnita sobre até onde vai o crescimento econômico até as medidas restritivas impostas para intervir em questões de poluição e infraestrutura, sobretudo pelas confusões envolvendo a Evergrande”, avalia. “Cenário mais nebuloso para o minério de ferro”, desabafa.

Mesmo com as variáveis do exterior, Araujo comenta que, no momento, a projeção do mercado é de que só a partir de 2023 os preços médios do minério vão voltar a orbitar entre US$ 70 e US$ 80 por tonelada. “Para o próximo ano, ainda deve ficar perto da faixa dos US$ 100 médios, não deve voltar tão cedo a patamares inferiores”.

Além desse fator estrutural para se apostar em mineradoras como um todo, há um bastante específico apontado por Araujo no que diz respeito à Vale. O pagamento de dividendos. Os lucros distribuídos pela companhia são semelhantes aos retornos mais gordos possivelmente oferecidos na renda fixa. E a perspectiva é que continuem nessa toada pelos próximos anos. Assim sendo, suba ou não o papel, estará pingando dinheiro no bolso de seus acionistas.

Opinião semelhante tem Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama e professor do IBMEC-RJ. “Se o mundo andar no ano que vem, não de maneira extraordinária, mas andar, isso demanda minério de ferro. Ele estando pouco acima dos US$ 100 por tonelada já seria um preço exagerado, assim como achava quando estava acima dos US$ 200”, diz. Exatamente por isso, complementa, da mesma forma que o pessoal agora está vendendo, eu acho que é uma boa hora para comprar ações da Vale. “A queda recente é para ser vista como por oportunidade, é uma bela empresa, muito bem gerida e vai pagar bons dividendos”, finaliza.

Thayná Vieira, economista da Toro, espera por queda de demanda importante neste ano tanto por minério, quanto por aço por força dos problemas chineses vindos de várias frentes. “Ainda é necessário acompanhar quais serão os próximos desdobramentos em torno da crise enfrentada pela Evergrande para entendermos os impactos para o longo prazo”, diz. “No curto prazo, acreditamos que o setor de commodities continuará apresentando volatilidade no mercado acionário, afetando as ações de empresas de mineração e siderurgia.”

Adriano Cantreva, sócio da gestora de fortunas Portofino, atenta para a importância de se ter sangue frio ao olhar para o sobe e desce diário de preços do minério e, a reboque, das empresas ligadas a ele.

“A China é o grande formador de preços do mercado, tem como influenciar o curto prazo. Sem dúvidas nenhuma pode ter uma queda mais substancial caso o governo decida intervir”, diz. “Porém, no final das contas, é oferta e demanda, e no médio e longo prazos a capacidade de influenciar preço é diminuída. E se a China tiver taxa de crescimento menor, o que tudo indica que vai acontecer, é de se esperar que tenha uma demanda controlada e não tenha essa disparada de preço como tivemos no início do ano.”

No caso das vendedoras de aço, o pano de fundo turbulento chinês é semelhante ao da Vale.

E a derrocada mais destacada é da CSN. Não à toa, a empresa é a que mais depende da demanda chinesa entre os pares locais. Em 11 de maio, o papel da CSN (CSNA3) tinha o maior ganho acumulado do setor, de 65%. Dali para cá, afundou já 43,06%. Transformando, assim, os então ganhos em perdas de 6,20% no acumulado de 2021;
No mesmo intervalo positivo, a ação Usiminas (USIM5) acumulava ganho de 54%. Mas, tal e qual a CSN, desceu a ladeira a partir de 11 de maio já em 36,96%. Assim, a valorização no acumulado do ano foi reduzida para 2,29%;
Ações da Gerdau (GGBR4) têm sido as menos avariadas pela desaceleração chinesa. Acumulavam em 11 de maio valorização menor também, de 50%. Mas, depois da queda-livre de 34% do pico ao vale, ainda conservam ganhos em 2021, mas agora de 2,13%, pouco abaixo dos papéis da Usiminas.

Apesar dessa fotografia, Araujo entende que esse contexto é mais favorável do que o contrário. Por dois motivos, em especial. “Primeiro, a queda dos preços do minério reduz o custo de produção de aço”, diz. “Em segundo lugar, a China é a maior produtora e exportadora do setor e, se vai produzir menos e exportar menos, vai ficar uma lacuna a ser ocupada pelas companhias dos outros países para atender a demanda global.”

De olho nas metas de corte na produção de aço da China e considerando que mineração e siderurgia andam lado a lado, Fabiano Vaz, analista da Nord Research, avalia que, pela perspectiva das vendedoras de aço, a dúvida que fica diz respeito ao crescimento da atividade do gigante asiático. “O preço mais baixo do minério de ferro é, claro, positivo para as empresas brasileiras do setor. Agora, ao pensar que a desaceleração da economia chinesa como um todo pode respingar para o lado de cá, não tem jeito, o mercado já antecipa o risco”, afirma.

Araujo, da Macro Capital, não tem papéis da CSN no fundo que gere, mas olha com carinho. “É uma empresa que tem apostado em diversificação setorial, embora dependa ainda bastante da China”, diz. Além do negócio de siderurgia, a CSN tem ainda a sua divisão focada em minério, cujo capital foi aberto recentemente, o que colabora para alguma autossuficiência em matéria-prima, permitindo menor exposição das oscilações do mercado. E está nos planos, embora tenha sido adiada, a estreia da CSN Cimentos no mercado acionário.

Quanto a Usiminas, nem cogita botar dinheiro no momento. As razões são fáceis de entender. A companhia é a que mais lida com um fator doméstico que tem sido capaz de apagar o possível efeito positivo vindo da China para todo o segmento. A crise hídrica brasileira.

Embora possíveis racionamentos de energia não prejudiquem diretamente o funcionamento de seus fornos, afetaria a economia nacional como um todo. Logo, derrubaria a demanda por seu aço, quase toda com destino nacional. O custo poderia até cair por causa da queda dos preços por meio da China. Mas de nada adiantaria ter esse benefício se o consumo nacional minguasse na esteira do crescimento pífio projetado para o Brasil em 2021.

E qual o segredo da Gerdau para segurar o tranco da China? O mesmo que faz Araujo estar “comprada” nas ações da companhia, embora tenha reduzido recentemente a exposição.

Se a CSN conta com a diversificação setorial que a Usiminas não tem, a Gerdau conta a com diversificação geográfica que falta à companhia mineira. Desde a década de 1980, a empresa tem seus tentáculos estendidos à América do Norte. Dessa maneira, ainda que “dê ruim” com o crescimento chinês, as unidades em território americano da companhia tendem a atrair parte dos trilhões em gastos com infraestrutura pela próxima década esperados nos Estados Unidos.

Resumindo a história, ao que parece, os papéis acompanhando a derrocada do minério estão, em geral, ficando mais descontados do que o futuro esperado deveria permitir. Sob o risco que sempre existe, claro, de o desenrolar da história não confirmar o otimismo do mercado. Haja vista o céu nada de brigadeiro enfrentado agora, bem diferente do pintado nos primeiros meses do ano.

Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 22/09/2021

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