A temporada de resultados do segundo trimestre de 2025 mostrou um ponto de inflexão no setor siderúrgico, com a decisão formal das empresas de reduzir investimentos no Brasil. O movimento ocorre em meio ao aumento das importações, especialmente da China, e à percepção de que as medidas de proteção ao mercado interno não são suficientes para neutralizar a concorrência externa.
Entre os fatores que acentuam a pressão está a recente decisão do governo americano de elevar para 50% as tarifas sobre o aço importado, medida anunciada pelo presidente Donald Trump. A taxação afeta as exportações brasileiras para os EUA e força a indústria a escoar parte dessa produção no mercado interno, aumentando a competição doméstica e pressionando mais os preços.
A Gerdau anunciou que fará uma revisão dos aportes previstos para o Brasil, citando a “ineficácia” do sistema de cotas e tarifas e a “concorrência desleal” do aço importado. O CEO, Gustavo Werneck, em conversa com jornalistas, destacou que a penetração do produto estrangeiro no mercado nacional atingiu níveis “inaceitáveis” e que a situação já levou a cortes significativos no quadro de funcionários, além de impacto na arrecadação tributária.
A siderúrgica vive realidades opostas nos mercados brasileiro e americano: enquanto lucra e expande sua atuação nos EUA diminuindo a capacidade ociosa, enxugou sua presença no Brasil, demitindo cerca de 1.500 trabalhadores entre janeiro e julho deste ano. A companhia não descarta novas dispensas nos próximos meses.
“Se o governo não quer se indispor com a China, que venha algum socorro à indústria”
— Haroldo Filho
A Usiminas também reduziu a previsão de investimentos para 2025, de um intervalo anterior de R$ 1,4 bilhão a R$ 1,6 bilhão para uma faixa entre R$ 1,2 bilhão e R$ 1,4 bilhão. A empresa justificou a revisão com base nas condições de mercado e em fatores que fogem ao seu controle, reforçando que as previsões refletem o cenário atual e podem ser alteradas conforme a evolução da conjuntura.
As empresas são categóricas ao afirmar que a recente renovação do sistema de cotas de importação de produtos de aço pelo governo federal, prorrogado até maio de 2026, não surtiu efeito. Dados do Instituto Aço Brasil mostram que, em junho, as importações cresceram 39,2%, para 596 mil toneladas, enquanto a produção nacional ficou praticamente estável, em 2,84 milhões de toneladas. O governo, contudo, já reconheceu que há um desafio e, além da cota-tarifa, iniciou uma investigação antidumping, a maior já aberta, sobre 25 produtos de aço importados da China.
Artur Bontempo, analista de minério de ferro e aço da consultoria WoodMackenzie, destaca que o setor é intensivo em capital, com investimentos de longo prazo. Nesse contexto, embora as medidas de controle das importações possam gerar algum impacto sobre o fluxo de mercadorias e os preços do aço, elas também têm o potencial de sinalizar um ambiente mais previsível e favorável, incentivando a continuidade dos investimentos necessários para reforçar a competitividade da indústria brasileira.
Na CSN, a preocupação é semelhante. O presidente da companhia, Benjamin Steinbruch, defendeu em teleconferência uma ação direta do governo para conter o avanço das importações, classificadas como “desordenadas e exageradas”. Segundo a empresa, a proximidade política com a China pode ser um obstáculo para medidas mais incisivas, mas, tecnicamente, o setor já teria justificativa para acionar todos os mecanismos de defesa comercial disponíveis.
A indústria de processamento de aço no Estado do Rio (Aproaço) fala em congelar investimentos. O presidente da entidade, Haroldo Filho, alerta que as demissões podem chegar a 30% da cadeia produtiva do aço até o fim do ano. “O Rio é o segundo maior produtor de aço. De outubro a dezembro, podemos ter demissões em massa. Empresas já estão dando férias coletivas. Se o governo não quer se indispor com a China, que venha algum socorro à indústria”.
O professor de relações internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, lembra que a entrada de aço chinês no Brasil, mesmo subsidiado, faz parte de uma lógica maior do comércio internacional. O mesmo ocorre com outros países, como os EUA, que subsidiam sua agricultura. Mesmo assim, o Brasil continuou a exportar produtos do agronegócio até a era Trump. Entretanto, há mecanismos que poderiam ser feitos para preservar a indústria nacional.
“O Brasil poderia fazer uma denúncia à Organização Mundial do Comércio (OMC), mas, no momento, o referencial político-institucional deve se sobrepor ao referencial econômico-comercial, simplesmente porque a China continua sendo nossa principal parceira comercial e um país aliado dentro de uma perspectiva dos Brics. Num sistema internacional tão fragmentado, o melhor é aguardar. É mais estratégico para o país as empresas brasileiras de aço continuarem a tentar se adaptar”.
No cenário interno, os desafios também se acumulam: os juros permanecem elevados, a campanha eleitoral de 2026 já se aproxima e as projeções para o PIB indicam desaceleração da economia doméstica. A CEO da Aço Verde do Brasil, Silvia Nascimento, conta que a empresa também vai ajustar sua estratégia. A companhia captou até R$ 300 milhões em debêntures para reforçar o caixa e garantir liquidez nos próximos 18 meses, período que a direção classifica como de instabilidade.
Com investimentos no setor reduzidos e estratégias de preservação financeira, a executiva diz que o ciclo é de cautela. A medida, segundo ela, busca assegurar capital de giro e maior resiliência frente a juros elevados, a tarifas sobre exportações impostas por outros países e à presença crescente do aço chinês no mercado doméstico.
“O preço médio do aço teve queda em junho, se estabilizou em julho e, em agosto, registrou uma leve alta. Ainda assim, no acumulado do ano, a tendência é de queda, impulsionada principalmente pela maior entrada de aço importado da China”, diz Nascimento.
Já a ArcelorMittal frisa que a “capacidade siderúrgica da China continua insustentável” e suas exportações elevadas seguem pressionando os fundamentos do mercado fora do país asiático.